Minha experiência ao estudar canto no Canadá: um ano na University of Alberta
- Arthur Raymundo

- 10 de out.
- 5 min de leitura
Atualizado: 21 de out.

Sempre tive o sonho de me aprofundar nos estudos de canto e música fora do Brasil, mas confesso que não imaginava que isso aconteceria tão cedo na minha vida acadêmica e artística. A oportunidade surgiu através do programa Ciências sem Fronteiras, do governo federal brasileiro.
Eu estava no terceiro ano da minha graduação em música na UNICAMP e em um momento acadêmico ideal para concorrer esta bolsa: com boas notas, dois projetos de pesquisa de Iniciação Científica concluídos e proficiência em inglês. Então decidi me inscrever! Para minha surpresa, fui selecionado e recebi uma bolsa completa para estudar na University of Alberta, em Edmonton, no Canadá.

A motivação era clara: queria vivenciar um treinamento vocal e musical de ponta, mergulhar em uma nova cultura e experimentar a vida em outro país.
A chegada em Edmonton foi tranquila. O suporte oferecido pelo governo brasileiro e pela universidade foi essencial, especialmente o atendimento do escritório de alunos internacionais, sempre disposto a ajudar nas questões práticas do dia a dia. A adaptação, no entanto, teve seus desafios, e o principal deles foi o clima.

Nunca tinha visto neve antes, e em Edmonton ela cobre a cidade por cerca de seis meses. Lembro bem de acordar para ir às aulas com -20°C, e até mesmo enfrentar dias em que o termômetro marcava -43°C! Aos poucos fui me acostumando, e aprendi a admirar aquele ambiente gelado, silencioso e de uma beleza muito particular.
Também senti falta da comida brasileira (que, convenhamos, é insuperável). Mas, por outro lado, fiquei encantado com a estrutura da cidade, a segurança, o transporte público eficiente e, principalmente, com a cordialidade dos canadenses. Um povo gentil, respeitoso e com um senso coletivo admirável.

No campo artístico, tive a sorte de estudar com a mezzo-soprano Elizabeth Turnbull, uma professora extraordinária, cuja dedicação e sensibilidade marcaram profundamente meu desenvolvimento vocal. Suas aulas eram pautadas por uma visão moderna da pedagogia vocal, baseada em pesquisas e métodos contemporâneos, mas sem perder o vínculo com a tradição secular do canto lírico. Foi com ela que entrei em contato com o método Overtones of Bel Canto, de Berton Coffin: um estudo fascinante sobre a acústica vocal com exercícios práticos sobre a interação de vogais e harmônicos da voz na produção do som cantado. Essa abordagem me ajudou a revisar pontos importantes da minha técnica e a compreender de forma mais consciente o funcionamento da voz, até então.
Além das aulas de canto, tive acompanhamento semanal com a vocal coach Shannon Hiebert. Que, além de uma pianista excepcional, ela me ajudava a trabalhar nuances musicais, dicção e interpretação, complementando de maneira brilhante o aprendizado técnico com Elizabeth. Esse tipo de formação integrada, com professores especializados em diferentes aspectos do canto, ainda é algo raro de se encontrar nas universidades de música no Brasil.

Durante o período em que estive lá, procurei participar de todas as oportunidades de performance possíveis. Cantei em dois corais. Um de alunos e o outro, o Madrigal Singers, de nível semi-profissional. Com esse grupo, tive a chance de viajar para Toronto e cantar no Soundstreams Project, no Koerner Hall, ao lado do aclamado Latvian Radio Choir.


A rotina era intensa: Aulas teóricas e práticas, horas de estudos individuais nas salas de estudo (ver imagem), ensaios, masterclasses, aulas de performance, recitais e óperas organizadas pelo departamento de voz da universidade. Cada semana trazia novos desafios e aprendizados.
Fiz também um recital solo (meu primeiro!) no fim do meu período acadêmico. Uma das experiências mais marcantes do intercâmbio. Preparei um programa extenso (para um aluno do bacharelado) com cerca de 18 peças que iam de canções barrocas, lieder, ópera a repertório brasileiro, acompanhado pela Shannon, que fez um trabalho lindíssimo no piano.


Logo após o término do meu ano letivo na University of Alberta, tive a felicidade de ser aceito no programa de verão Opera on the Avalon, em St. John’s – Newfoundland, do outro lado do Canadá.
Foi um mês intenso de imersão musical, com aulas e masterclasses com professores e coaches renomados de várias universidades do Canadá e dos Estados Unidos. Entre eles, a Patricia Misslin, professora de canto da famosa soprano Renée Fleming, e o pianista Vlad Iftinca, conhecido por seu trabalho no Metropolitan Opera House, em Nova York.
Durante o programa, participei de montagens completas, com orquestra e encenação, de duas grandes óperas: La Traviata e A Flauta Mágica, nas quais cantei solos em papéis secundários e integrei o coro. Foi uma experiência riquíssima e inspiradora, que ampliou ainda mais minha visão sobre performance e trabalho em equipe.
Essa vivência foi transformadora. Viver e estudar canto no Canadá me fez crescer imensamente como artista e como pessoa. Vivi em um ambiente de excelência acadêmica, cercado por colegas e professores de altíssimo nível, o que me desafiou a dar sempre o meu melhor. Ao mesmo tempo, morar sozinho em outro país, lidar com o frio, com a distância e com uma cultura diferente, me fez amadurecer de maneiras que vão muito além da música.
Se eu pudesse resumir essa experiência em uma frase, seria: “Descobri que sou capaz de muito mais do que imaginava: como artista e como pessoa.”

Hoje, essa vivência está presente em tudo o que faço, especialmente no meu trabalho como cantor e professor de canto. As lições que aprendi no Canadá, especialmente na área da pedagogia vocal (matéria que cursei na University of Alberta e aprendi muito), se tornaram a base do meu método de ensino. É essa experiência internacional que me ajuda, hoje, a oferecer uma aula de canto presencial em Indaiatuba-SP e online para alunos locais e do mundo todo com uma visão mais completa, moderna e embasada, unindo técnica, musicalidade e expressão artística.
Estudar e viver fora do país foi, sem dúvida, um divisor de águas na minha trajetória. E, de volta ao Brasil, sigo colocando em prática tudo o que aprendi, seja no palco ou na sala de aula.






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